MEMÓRIA E PATRIMÔNIO - ENTRE A AUDÁCIA E A MODERNIDADE...


Márcia Elisa Lopes Silveira Rendeiro


O livro organizado por Regina Abreu e Mário Chagas "Memória e Patrimônio – ensaios contemporâneos" aposta na modernidade desta discussão e aponta novos horizontes de abordagem para pesquisas na área. Contudo, não é prudente julgar que se trata de uma leitura apenas para pesquisadores, afinal, presos ao viés dado pelas categorias Memória e Patrimônio, os ensaios surpreendem com apimentadas e instigantes questões da atualidade como patrimônio genético, transgênicos, herança cultural e políticas públicas.
Empenhados em conferir relevância à Memória e Patrimônio no cenário das ciências sociais e humanas, organizadores e autores descortinam um painel de manifestações culturais extremamente rico e diversificado.
É simpática a iniciativa de começar o livro apresentando "Kusiwa", a arte gráfica do povo "Wajãpi", "o primeiro bem cultural indígena registrado no Livro dos Saberes do patrimônio imaterial". De fato, a escolha desta apresentação só ficará melhor compreendida no decorrer da leitura dos ensaios, quando as discussões sobre patrimônio imaterial, bem comum, memória étnica, tradição e o próprio conceito de cultura ganham maior amplitude.
Se por um lado destacamos que o livro não é apenas para pesquisadores, por outro ressaltamos que é primordial para a bibliografia dos mesmos, em especial para aqueles que, no ofício de suas pesquisas, comprometeram-se no conhecimento de "línguas, festas, rituais, danças, lendas, mitos, músicas, saberes, técnicas e fazeres diversificados".
Sob a orientação de Regina Abreu e Mário Chagas, organizadores e autores, cuja contribuição, entre outros, imprimiu ao livro sua característica maior – a contemporaneidade, numa visão audaciosa que une passado, presente e futuro; Cláudia Cristina de Mesquita Garcia Dias, James Clifford, José Reginaldo Santos Gonçalves, José Ribamar Bessa Freire, Luiz Fernando Dias Duarte, Márcia Sant’Anna, Maria Cecília Londres Fonseca, Maria de Lourdes Parreiras Horta, Myrian Sepúlveda dos Santos, Ruben George Oliven e Vera Beatriz Siqueira foram felizes na escolha significativa de seus temas.
Na primeira parte do livro, analisado como categoria de pensamento, Patrimônio é dissecado com a precisão dos antigos anatomistas, revelando-se a seu respeito, novas configurações, novas faces e concepções. Com destaque para a compreensão de "patrimônio intangível" e os "tesouros humanos vivos" ensaios obrigatórios para quem estuda a cultura brasileira e preocupa-se em preservá-la.
Mais adiante é a vez de Memória, examinada atentamente como que por uma lupa, acompanhada por um olhar criterioso e detalhista, próprio do requinte dos bons pesquisadores. Outrossim, ao lermos os ensaios sobre Memória, percebemos que no meio acadêmico e fora dele, só os que conhecem mais profundamente um assunto, conseguem explicá-lo de forma simples, atrativa e clara, tal como "trata-se, em verdade, de prática social que pode ser identificada nas famílias, nos grupos religiosos, nos grupos étnicos e profissionais, nos partidos políticos, nas instituições públicas e privadas e, de modo particular, nos museus. Se aquilo que preserva é concebido como suporte de informação e como alguma coisa passível de ser utilizada para transmitir (ou ensinar) algo a alguém, pode-se falar em documento e memória. Nesse caso, pode-se também falar em política de memória". Alguma dúvida?
Merecem destaque também, como especialmente interessantes, os ensaios que abordam a construção ideológica dos museus e o alinhave político presente em todos eles. Talvez por isso, apontem para a responsabilidade dos profissionais dessas áreas, formados agora sob novos signos, reflexões e olhares. Com a esperança renovada de que está cada vez mais próximo o "futuro promissor" para os profissionais que transitam entre documentação, arquivo, preservação - memória e patrimônio.
Antropólogos, museólogos, historiadores e pesquisadores das mais diversas áreas, atentos aos novos ventos e debates no cenário cultural brasileiro poderão encontrar neste livro a certeza de que a articulação entre as ciências é capaz de produzir mais e melhor conhecimento, além, é claro, do que puderem captar nas entrelinhas, o que fatalmente ficará registrado na memória.

Fonte: http://www.unirio.br/morpheusonline/Numero04-2004/mrendeiro.htm

1 comentários:

Jorge Luís Stocker Jr. disse...

Parece bem interessante o livro!